
Em 23 de junho o Grêmio anunciou a exigência de um cadastro biométrico para todos os torcedores que frequentam a arquibancada norte da Arena, sendo que a identificação biométrica será obrigatória para todos os Sócios Arquibancada a partir do jogo de 09/07.
Vários elementos deste anúncio causam espanto. O primeiro deles é a exiguidade da medida. Foram menos de 20 dias entre o anúncio e o prazo final de adaptação dos sócios. Ademais, essa nova exigência não foi discutida ou sequer informada ao Conselho Deliberativo (que é o órgão de representação dos sócios). Ainda, é importante lembrar que essa imposição contraria decisão tomada na reunião do Conselho Deliberativo de 29 de abril de 2014, onde se refutou a ideia proposta pelo Ministério Público de tornar a arquibancada norte um setor exclusivo para as torcidas organizadas. Naquela ocasião vários conselheiros se manifestaram contra a proposta, inclusive integrantes do atual Conselho de Administração.
Todos esse elementos acima citados revelam a total falta de diálogo por parte da direção do clube ao implementar o cadastro biométrico. Contudo, ainda que se considere esse um problema “menor”, de mera falta de comunicação, não há como superar o fato de que a medida, tal como se apresenta, é discriminatória. Uma exigência que só é feita a um grupo de sócios e torcedores é discriminatória. Uma exigência que só é aplicada em um único setor do estádio (justamente o mais popular) é sim discriminatória.
É possível questionar se os alegados “eventuais desvios de conduta” ocorrem só na geral/arquibancada ou também nos demais setores e no próprio entorno do estádio? Se “eventuais desvios de conduta” são exclusividade da torcida do Grêmio ou também se verificam em outros estádios e outros clubes do país? E se o problema de violência é exclusivo do futebol ou é comum a sociedade como um todo?
A primeira pergunta é fácil de responder. Basta lembrar que o principal “distúrbio” registrado na Arena em 2017 teve início na cadeira superior. Em 2014 o Grêmio foi punido em função de uma ofensa feita por um torcedor, que estava na cadeira gramado, ao zagueiro Paulão do Inter. Em 2013 houve um briga entre a torcida do Grêmio e a do Fluminense na cadeira superior. Assim, além de discriminatória, a exigência de cadastro biométrica se mostra também inócua e arbitrária.
Inicialmente, nenhuma manifestação do clube falava em estender a biometria para os demais setores. Na nota de esclarecimento divulgada no site oficial é mencionado que o clube “estuda a possibilidade de estender este mesmo sistema de identificação e controle de acesso para as demais localidades do estádio“. E ainda que isso seja feito (o que eu duvido muito), o clube, ao assim proceder, estaria colocando o seu torcedor numa condição pior do que torcedores de outros times da cidade ou do estado. Seria possível ver jogo no Passo D´areia, no Bento Freitas, no Alfredo Jaconi sem biometria. Mas na Arena, o torcedor do Grêmio estaria sujeito a biometria.
Cumpre ressaltar que, ao contrário do que afirma o representante do Departamento do Torcedor Gremista, não existe qualquer disposição no Estatuto Social do Grêmio vedando o “empréstimo de carteirinha”. O artigo 40 do estatuto determina o seguinte:
O que existe, isso sim, é um dispositivo do Código de Ética (art.8º) e Regulamento Geral (art.11) que impede o aluguel ou venda de carteirinha:

A expressão “a título remunerado” deixa bem claro que não é proibida a cessão gratuita da carteirinha a um terceiro.
E ainda que assim não fosse, é válido lembrar que o próprio clube incentiva ou anui com a pratica do “empréstimo de carteirinha, na medida que permite que um mesmo sócio tenha mais de uma cadeira na Arena (tal qual já acontecia no Olímpico).
Confesso que tenho certa dificuldade em acreditar nas ações propostas pelo Departamento do Torcedor Gremista. Para ilustrar essa dificuldade, transcrevo trecho de notícia publicada no site do Tribunal de Justiça do Estado sobre ocorrências registradas na Arena na final da Copa do Brasil: “Um torcedor impedido de comparecer aos jogos do Grêmio foi flagrado tentando acessar a Arena usando uma pulseira que garante acesso ao estádio a quem está a serviço. Outro membro do Departamento do Torcedor Gremista atuou para facilitar o acesso do acusado. Os dois foram citados em um termo circunstanciado emitido pela Polícia Civil.”. Ora, que legitimidade o referido departamento tem em propor medidas de controle para o torcedor em geral quando sequer é capaz de controlar o comportamento de seus próprios integrantes?
Estranho ainda que não há nenhum benefício previsto como contrapartida para quem será submetido a biometria. Mesmo com a identificação biométrica, o torcedor continuará tendo que apresentar a carteirinha. O processo de ingresso no estádio será mais demorado, justamente no único setor da Arena em que é feito uma segunda revista na frente das catracas (e não só nas rampas de acesso a esplanada como para os demais setores).
Finalizando, reforço que a minha inconformidade com a medida reside, especialmente em dois pontos: 1) o fato de o cadastro biométrico ter sido imposto sem qualquer tipo de diálogo com o Conselho, contrariando decisão tomada em 2014. 2) o fato da diretoria, ao permitir essa medida excepcional, estar atribuindo (ou estar permitindo que seja atribuída) a pecha de que sua torcida (ou parte dela) e seu estádio (ou um setor dele) é particularmente difícil de ser controlada e por isso precisa de maior observância por parte das autoridades. É uma pecha que traz graves consequências e que acaba se tornado difícil de se livrar.